opinião

Boudin, Monet e eu

Foi assim, exatamente assim. Lá nos fomos, os três, a passear pelo pequeno cais de Honfleur, o Vieux Bassin. Eugène Boudin, Claude Monet e eu unidos mais uma vez pela circunstância de o tempo não existir. Os dois com suas paletas coloridas, eu com minha máquina de fazer fotografias. Ambos sorriem sempre que - irritado com os usuários de telefones celulares vindos da Ilha de Creta (cretinos!) - afirmo a distinção entre tirar fotos e fazer fotografia.

O que importava contudo era estarmos por ali, a caminhar por caminhar, à procura de algum ângulo ou encanto de luz. Um de nós sugeriu então nos mandarmos para Etretat e para lá nos fomos.

As imensas falésias, os campos e o mar que compõem sua moldura diante de nós. Os dois a pintá-las, eu a fotografar o horizonte que se alcança quando nosso olhar busca o oceano, para além daquela fenda no espaço e no tempo, do lado de cá do Canal da Mancha. Uma fenda que o agora permite a quem lê o que estou a escrever a encontre no Google.

Lá então, quando nossos olhos embrenhavam-se pelas suas escarpas, construíamos uma imensa fraternidade estética. Etretat e, de repente - em Honfleur outra vez - o Museu Boudin. Olhei para ele e, sob outro sorriso de Monet, perguntei-lhe se sabia que existia/existiria um museu seu, com seu nome, por ali...

Eugène sorriu - por certo que sabia/saberia - sugerindo que prosseguíssemos em direção a Rouen. Uma visita à catedral de Monet! Quase uma loucura, de verdade, porém lá nos fomos, os três.

Eugène, Claude e eu éramos ali, de repente, um só... Lembro-me apenas que saquei então da catedral - fartando-me de luz, inconclusivamente - fotos e mais fotos, sem fim, ela esbanjando cores em múltiplos tons!

Andei a escrever sobre esse momento e seu portal desde a entrada da bruma matinal, depois em outras nuances, a seguir em harmonia de azul, cinza e azul. Não há nada tão malandro e sutil - recordo-me ter dito então - como a luz natural, espontânea, luz das manhãs e das tardes que as seguem.

A luz do sol, tal qual a surpreendemos desde a janela do primeiro andar do prédio de frente para a igreja, é irreproduzível. Horas e horas, momento a momento se movendo, dando saltos de repente, espreguiçando-se lânguida e gostosa, sensualmente a seguir.

Fartamo-nos dessa luz. Nos dias que vieram, a cada manhã, a catedral esbanjando-a em tons rubros, azuis, cinza, violeta e cor de rosa. Uma loucura! Luzes e tons de todas as cores, cores e luzes de todos os tons! Aurora, meio-dia, entardecer.

Eugène, Claude e eu éramos ali um só e, de repente, me dei conta - ou terá se dado conta um deles que não eu? - de que somos múltiplos mesmo no presente (como diz Sartre), mas, quando vencemos o tempo, somos tudo e o todo inconclusivamente.

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